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segunda-feira, 31 de maio de 2010

Narrativa de minha alegria fugida sobre nós duas.





Dela:
Outro dia eu tive que andar de trem, coisa que sempre me agradou.
Gosto da sensação de poder observar o mundo, as pessoas, a paisagem tão igual que sempre tem uma novidade.


Mas na volta acabei chegando justamente no horário de pico, e tive que aguardar que sete trens lotados passassem para que finalmente pudesse entrar em um um pouco menos lotado.


Acabei ficando em pé por quase uma hora, encostada em uma grade sentindo o vento frio, vendo o céu escurecer e pensando em um pouco de tudo que acontecerá nos últimos meses.
Não sei se foi o frio ou o exercício de paciência, ou os dois em conjunto, mas foi o momento em que a anestesia começou a passar.


Parada ali, vendo pessoas, tantas se espremendo para tentar entrar em um espaço tão pequeno, comecei a pensar em coragem.
E que às vezes, por mais coragem que se tenha, é preciso parar um pouco e esperar, questão de momento.


Nosso:
E foi tão bom parar e esperar, tanto na vida quanto o trem.


Eu vivia com tanta pressa, eu queria tantas coisas, queria que tudo desse certo, queria mudar o mundo... eu empurrava pessoas para conseguir entrar na composição e ficava lá, espremida, sem ar, sem espaço... até que um dia, em um esbarrão, levaram não só meu relógio, mas minha coragem e minha vontade. 
E chegou um momento em que eu me vi tão pequena perante o mundo, tão incapaz de mudar qualquer coisa, no meio de tanta gente em um estilo de uma indescritível solidão em meio a tantas pessoas, que resolvi sentar na plataforma da vida e ficar de olhos fechados, apenas ouvindo o som dos trens e das pessoas.
E além de barulho, de motor e vozes, em momentos tranquilos eu pude escutar minha própria respiração, realmente pude prestar atenção nas letras das músicas que ecoavam de meu iPod.
E então eu abri os olhos com calma quando senti as primeiras gotas de chuva, mas ao fundo havia um céu muito bonito.
Mas eu ainda sentia frio e ainda estava cansada.


Meu:
Ela teve que se despedir dele, de um jeito que foi bem mais devastador que o calculado. 
Foi dormir porque tinha prova, mas eu senti que ela precisava de um tempo só dela, e sai em busca de algo para remediar aquela ferida.


Passei a voltar a essa estação todos os dias;
Às vezes eu cantava alto, outras eu apenas observava, lia, escutava, esperava.


Então comecei a correr contra o fluxo de pessoas, trombei em algumas, desviei de outras, pulei uma catraca e troquei de plataforma.
Não poderia seguir viagem com tantas coisas para trás.
Entrei no trem e segui até o final da linha, desci na estação, subi as escadas rolantes, empolgada e medrosa, quase derrubei uma senhorinha que passava.
Visitei pessoas. Paguei promessas. Comprei uma rosa. Cortei meus cabelos. Comi um bolo de chocolate. Fiz uma oração. Assisti filmes que há tempos queria. Li livros como há tempos não fazia. Chorei quando deu vontade e dormi até passar a vontade.
A cada um que reencontrava, ganhava uma metadezinha do que um dia eu oferecerá. 
Como quase sempre ofereci coisas boas, voltaram tantas coisas boas.
E para aqueles que em primeiro momento não havia oferecido algo realmente útil e interessante, peguei destas metadezinhas e reparti novamente, dando e recebendo em troca.
Conheci pessoas, tem coisa mais fantástica que conhecer pessoas?
Descartei o que não era bom. 
Dancei até o chão.
Perdi a hora, perdi o sono, perdi o juízo, perdi o apetite. 
O primeiro e o último eu recuperei, o segundo e o terceiro deixei por aí... afinal, é sempre bom equilibrar muito sono e pouco juízo.


Mas ainda faltava alguma coisa.
Eu precisava voltar.


Entrei no metro, depois peguei o trem na Estação da Luz.
Esperei um tempo, estava bem lotado.


E quando o trem parou na Estação Tamanduateí, encontrei uma velha conhecida.
Ela estava com uma bolsa marrom, cabelos soltos e uma blusa quentinha e aparentemente com um certo frio, apesar da blusa. 
Ela olhou para mim e sorriu. E eu não pude negar o quanto o sorriso em meus lábios foi verdadeiro.
Era quem faltava, eu mesma, a outra metade minha que ficou em casa enquanto eu andava nesses três meses.


Fomos conversando.
Eu tirei da bolsa alegria, ela me entregou coragem, demorou pra encontrar, mas logo comprou duas doses.
Contou-me a monotonia de viver sem mim, seu lado alegre.
E eu contei como foi minha viagem em busca de mim, ou melhor, de nós, ou que seja, do conjunto.
Ela ficou bastante surpresa ao ver as fotos... e só ai se deu conta que eu a observei de longe, e que em tantas fotos ela sorria, mesmo sem perceber.
Eis que contei pra ela que no fundo nunca nos separamos, que sem perceber quem fez toda essa viagem foi ela mesma - nós mesmas - e que eu só tive que pegar o trem para que ela se dessa conta, para que eu pudesse tirar essas fotos.


Ela sorriu, surpreendente como sempre e me abraçou e disse:
- "Nossa, então é tudo isso? - e com um tom de humor - "Eu vou sobreviver, doutora?"
Gargalhou, como há tempos não fazia.


Incrível como ela fez direito a parte dela e cultivou coisas boas em meio ao silêncio que optou por estar enquanto eu não voltava.


Dela: 
Voltamos para casa, eu e ela, sempre juntas, mas ainda não uma só.
Senti tanta falta dela, estava realmente falta desta minha parte desaparecida. 
Antes de dormir ela fazia questão de lembrar cada coisa boa, até que uma hora eu chorei... poucas lágrimas.
Queria ela para mim, afinal, ela era minha parte feliz.


Dormi, acordei e surpreendentemente depois poucas horas depois do almoço algo mágico aconteceu: sem querer, virei e tropecei no pé do meu tio.
Ah, foi uma queda preocupante para ele, afinal, ele podia jurar que eu havia de quebrar ao menos um dedo, tamanho o barulho.
Mal sabia ele que eu cai em cima da de mim mesma, eu voltei a ser uma só!


E ai acabou a anestesia, o vazio, as saudades.


E deu uma imensa vontade de continuar, exatamente de onde havia parado.





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